Champions League: revoluções táticas e a relação com a final de 2016

Ao longo da história do futebol, grandes mudanças marcaram diferentes “eras” do esporte mais popular do mundo. Até hoje, em vários aspectos, o futebol se altera. Seja em relação ao jogo, à cultura, aos torcedores, à política, etc.. Mas agora vamos focar em um quesito: a tática. É ela quem rege as movimentações dos times, é ela quem organiza as duas equipes, é ela que torna mais fácil (ou mais difícil) o caminho até o gol. Durante os anos, muitas equipes encantaram o mundo com inovações no modo de jogar futebol. Muitas são usadas, até hoje, como uma espécie de vanguarda para treinadores e estudiosos do esporte. Pode-se dizer que entre essas grandes equipes, temos três que foram responsáveis por verdadeiras revoluções táticas: a seleção da Hungria de 1954, a seleção da Holanda de 1974 e o Barcelona de 2008. O que esses times tinham em comum? Os três mudaram a forma como se buscava o gol. Os três “inventaram” fórmulas diferentes para barrar sistemas defensivos bem definidos em épocas também diferentes.

Em 54, a seleção húngara, liderada por Ferenc Puskás, foi a grande surpresa do mundial daquele ano. Em uma em que os sistemas defensivos se fortaleciam, o time treinado por Gusztáv Sebes revolucionou a estratégia de ataque e criou o sistema WW (que seria adaptado pela seleção brasileira campeã em 58), com cinco jogadores nas posições de ataque. O esquema se baseava na movimentação do time, no toque de bola, e no fator surpresa no ataque (daí a invenção do “falso-9”), onde o atacante – que os zagueiros achavam ser o centroavante – recuava e liberava espaço para os outros dois atacantes se infiltrarem.

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A equipe húngara atacava com cinco jogadores na última linha, deixando a defesa adversária em inferioridade numérica. (Foto: imortaisdofutebol.com)

Mas então, em 1974, veio a seleção holandesa. Com o apelido de “Laranja Mecância”, aquele time ficou marcado pela quebra dos esquemas táticos fixos. Os zagueiros tinham liberdade para apoiar o ataque enquanto trocavam de posição com jogadores mais avançados. O que importava no time treinado por Rinus Michels era ocupar os espaços vazios deixados pela defesa adversária, sem se preocupar em guardar posição. E ao praticar uma movimentação tão intensa, os espaços apareciam mais claramente. Foi nessa seleção onde o Johan Cruyff se destacou individualmente, dando o toque mais técnico em uma equipe tão dedicada taticamente.

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Foto: Painel Tático, globoesporte.com

Já em 2008, foi a vez do Barcelona treinado por Pepe Guardiola e liderado por Lionel Messi. Um time que prezava pelo toque de bola incessante. Era tanto toque de bola que foi batizado de “tic-taca”. A ideia era a valorização da posse de bola, as linhas de defesa bastante adiantadas e uma movimentação de ataque bastante semelhante à Hungria de 54. Dessa vez, o falso-9 era o craque Messi. O Barcelona de 2008 foi tão importante que influenciou diretamente a filosofia de jogo do seleção espanhola, que sagrou-se campeã da Euro 2008 e 2012 e campeã do mundo em 2010.

Mas o que pode nos deixar na dúvida é: por que esses esquemas tiveram prazo de validade? Por que essas equipes não jogam, até hoje, da mesma forma? A resposta está do outro lado: nos adversários. É fácil de ver isso, pois ao mesmo tempo que as equipes revolucionam o a filosofia de jogo para buscar o gol, os adversários estudam as novas armas da equipe em questão e formulam também suas estratégias. Como um exemplo rápido: a Inter de Milão, de José Mourinho, acabou eliminando aquele Barcelona na Champions de 2010 apostando em duas linhas de marcação muito próximas e disciplinadas. Ao reduzir o espaço dos catalães, aquele toque de bola mágico não fluía mais da mesma maneira. E assim o futebol se reinventa até hoje e se reinventará sempre. A palavra-chave é adaptação. Cada equipe se adapta de acordo com as circunstâncias e com a necessidade particular.

Agora, fazendo um gancho com o que, teoricamente, temos de melhor no futebol, o que as equipes europeias tem feito de diferente? Podemos analisar toda essa dicotomia de adaptações ataque-defesa em um confronto: Real Madrid x Atlético de Madrid. Além dos sistemas táticos diferentes, há nesse confronto o reencontro de dois rivais locais após a final da temporada 2013-14. Pra saber mais a respeito disso, conversamos com o jornalista Leonardo Miranda, do blog Painel Tático, do globoesporte.com e com o Felipe Simonetti, do blog Doentes Por Futebol.

O Real aparece com mudanças e em uma crescente desde o início do trabalho de Zinedine Zidane. Os merengues sofriam com uma defesa muito vulnerável em relação ao ataque muito eficiente. Porém, Zidane encontrou uma saída no brasileiro Casemiro. A entrada de Casemiro, inclusive, é uma prova de que nas reinvenções do futebol, muitas vezes se recupera posições que não pareciam mais úteis. No caso do brasileiro, a entrada dele serve para ser o homem de proteção da defesa, o famoso “carregador de piano”, volante clássico. Essa posição de volante apenas de proteção e pouca criação parecia cada vez mais em extinção, mas Zidane (que entende da posição de meia) mostra que é possível e necessário em determinadas situações. Com a entrada de Casemiro na proteção, Zidane libera os outros dois volantes/meias Toni Kroos e Luka Modric para buscarem a bola desde a defesa e leva-la com qualidade até o ataque. Na frente, o time tem o trio BBC (Bale, Benzema e Cristiano Ronaldo) com uma movimentação na entrada da grande área e a busca do passe/lançamento em profundidade em direção do gol, como explica Leonardo Ribeiro. Isso justifica até os frequentes gols dentro da área, sobretudo de cabeça.

Na imagem, Kroos ocupa o lugar que agora é de Casemiro, centralizado como primeiro volante. O trio de ataque também ajuda na marcação-pressão. (Foto: uolesporte.com)

O Atlético, por sua vez, busca a tal adaptação a esse tipo de esquema. A equipe espanhola joga sempre com todos os jogadores no campo de defesa. Preza pela compactação máxima das linhas de marcação, na tentativa de anular os chamados “espaços vazios” dos quais a Holanda de 74 nos mostrou como aproveitar. A competência tática e a forma com que Simeone coloca isso na cabeça dos jogadores também impressiona, mostrando que o psicológico também está atrelado diretamente na capacidade de um time. O jogo do Atlético se baseia na eficiência máxima na defesa e no ataque: defender sempre e buscar o gol em contra-ataques treinados para serem mortais (visto que, com esse esquema, não serão muitas oportunidades de gol). Segundo Simonetti, “[…] o toque latino do técnico Diego Simeone fica explícito não só na forte marcação como na efetividade e precisão do ataque. Simeone levou o futebol castelhano para Madrid e o adequou ao patamar europeu.”.

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A ideia de Simeone é bastante simples: sustentar as linhas defensivas o mais próximo possível para não deixar espaços vazios e roubar a bola para buscar o contra-ataque. (Foto: Painel Tático, globoesporte.com)

Quando falamos de tática no futebol, podemos citar exemplos e questionar modelos por uma vida inteira. O que não podemos mudar é essa dicotomia em busca do equilíbrio defesa-ataque que resultam, consequentemente, em não sofrer e ao mesmo tempo marcar gols. O que a Hungria de 54, a Holanda de 74 e o Barça de 2008 tem em comum com os finalistas da Champions League desse ano são, além das influências, a busca pela adaptação de acordo com a qualidade técnica de seus jogadores e as características do adversário. É claro que houve muitas equipes vencedoras apenas se baseando em conceitos individuais, com soluções milagrosas de craques da bola. Isso tudo, porém, se torna cada vez mais difícil devido à condição tática dos grandes times atuais. Ninguém mais quer apenas apostar em um jogador específico. Hoje, graças às grandes revoluções táticas, temos equipes que buscam a vitória passando por todas as etapas até o gol. E quem não pensar assim, infelizmente, tende a ficar para trás.

Texto por Ian Tambara

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